16 de janeiro de 2012

Seize

Edmilson Siqueira

Na crônica anterior que escrevi neste espaço gentilmente cedido, falei sobre meu gosto por jazz e a relação que faço dele com Paris. Mas só comecei a gostar de jazz já perto dos 30, quando, por coincidência ou não, tomei gosto pelo santo uísque de cada dia, hábito também deixado de lado quando me aproximei dos 60, mais por motivos de saúde que de gosto: às vezes mato a saudade com uma ou duas doses, no máximo, on the rocks, de um Black Label, meu preferido.

Antes de gostar do jazz e de uísque, a MPB havia feito uma revolução musical no Brasil, começando com a bossa-nova que me pegou no fim da infância, os festivais da Record e da Globo da minha juventude e o amadurecimento de grandes artistas entre meus os 20 e 30 anos. Tudo isso junto e misturado deu num gosto musical que privilegia a harmonia criativa, a melodia sensível, a letra (quando há) sincera e sem apelações e o improviso próprio de quem já andou na estrada das pautas ou dos instintos e descobriu seus próprios talentos e prazeres.


Hoje, se o gosto musical continua restritivo, a cerveja e o uísque foram, sem que tenham desaparecido totalmente, substituídos pelo vinho. E vinho francês, de preferência, sem recusar um bom português, um caprichado italiano, um forte chileno ou argentino. Há vinhos bons em muitos lugares e, tal como em relação ao jazz, não sou um expert. Conheço alguns vinhos que, sem desfalcar o bolso, cumprem bem a missão. Mas não me peçam para falar se tem aroma de menta, gosto de chocolate amargo, de frutas silvestres maduras misturadas com café torrado que caio fora. Vinho pra mim tem gosto de vinho. Uns podem ser – e são – diferentes de outros, mas são vinhos. Constato, pelo rótulo, o teor alcoólico (prefiro entre 11 e 12,5 por cento, sem recusar os mais fortes) e, não muitas vezes, o tipo de uva – conheço uns três ou quatro somente e acho que já tá bom. Sei da uva que é melhor na Argentina e no Chile e, por acaso mesmo, conheço alguns vinhos de Catamarca, na região noroeste da Argentina, que são ótimos, mas que só encontrei lá mesmo, jamais por aqui.

Mas tenho tomado mais franceses e, para surpresa de muitos, baratos e muito bons. Se alguém quiser levar em conta minha modesta opinião são o Cave de Ladac e Baron d'Arignac. Custam menos de R$ 25,00 (pelo menos no Pão de Açúcar onde compro a maioria), e não fazem feio.


Na França, nas duas vezes em que lá estive, provei pouco vinho. Um crime para um viajante esporádico como eu, mas fazer o quê? Fomos no verão e vinho gelado por lá só o rosé e, assim mesmo, meio resfriado apenas. Como tomei cerveja no primeiro dia, descobri que era ótima – muito melhor que a daqui – e tomei gosto. Quando tomei vinho – tinto ou rosé – o calor atrapalhou e voltei pra cerveja. Entre várias que tomei em Paris, uma ficou na lembrança e até citei na crônica passada: a 1664, mais conhecida como "Seize" (16 em francês), apelido que ela ganhou talvez por ser muito complicado falar 1664 em francês. Sim, o número no rótulo remete à data do início da fabricação da dita cuja. Quase com certeza por monges, que gostavam de uma loura caprichada sem medo do pecado.

Tomei várias delas num bar e restaurante perto do hotel, na Avenue du Maine, chamado L’Americain, por sugestão de um garçom que falava francês, inglês, espanhol e arranhava o alemão. E fiquei fã. Da cerveja, não do garçom. Quando voltei ao Brasil procurei a dita cuja, mas as exportações ainda não estavam tão fáceis como hoje. Tempos depois descobri uma prateleira cheia delas no Carrefour do Iguatemi em Campinas, e comprei três latas de meio litro cada. Quando acabaram – uma semana depois – voltei lá e não encontrei mais. Isso foi em 2006 ou 2007 e, depois, nunca mais, nem nos sites especializados ou nos bares cervejeiros que ostentam dezenas e até centenas de rótulos em seus cardápios.

Mas um dia ainda vou reencontrar a Seize. Aqui ou, preferencialmente, em Paris. E então degustarei com um prazer muito maior aquela que já foi considerada a melhor cerveja do mundo num desses concursos que se fazem lá pelas bandas europeias.

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